sexta-feira, 29 de abril de 2011

88.000 formigas morrem na cadeia 004

A sociedade das Formigas Fareijeiras da região de Florianópolis, cadeia 004, sofreu o maior massacre dos últimos tempos nessa última quinta-feira. A temível Sombra Desconhecida (aquela que não se deve dizer o nome) atacou novamente: as vítimas foram esmagadas e queimadas com água quente. Até agora, 88.000 corpos já foram encontrados. A Entidade Central Farejeira (ECF) estima que o número triplique até o final do mês. O Corpo das Formigueiras Guerreiras (CFG) declarou que vai continuar com a busca por sobreviventes por tempo indeterminado. Até agora 47 formigas já foram resgatadas – 40 adultas e 7 filhotes.
O ataque aconteceu às 2h da manhã do dia 28 de abril, data que permeará para sempre na memória das poucas sobreviventes. A lendária SD começou a matança pelo lado leste do ninho e, segundo estatísticas da FEM (Formigas Excelentes em Matemática), 40.000 formigas foram esmagadas em segundos. As áreas oeste e sul foram atacadas logo em seguida. Dessa vez, as vítimas foram surpreendidas com jatos de água quente – muitas das formigas que sobreviveram ao calor, morreram afogadas. Na parte norte, também alagada, foram encontrados 12.000 corpos. De acordo com o laudo pericial da Formage, 10.000 operárias morreram intoxicadas ao serem atingidas por uma alta concentração de feromônios, proveniente das vítimas esmagadas. Outras 4.000 morreram em estado de choque e 2.000, por se jogarem da gaveta superior da cadeia na tentativa de se salvar.
Dolores Formigieri, uma das sobreviventes, tem dificuldades para lembrar de como tudo aconteceu: “Quando fecho os olhos pra dormir só consigo pensar naquela multidão correndo, berros, mortes. Nadei por quase 10cm, estava exausta, mas me sentia viva. Lembro de uma enorme sombra que se movimentava. Era enorme, não sei dizer, talvez uns 30cm e se movimentava ameaçadoramente. E quando ela chegava mais perto, vinha como um chumbo em cima das nossas cabeças e quando levantava, lá estavam os corpos”.
O soldado e formigueiro Carlos Pretume, inconformado com as mortes, lamenta que a tragédia tenha ocorrido em um momento histórico na cadeia 004: “Pela primeira vez em 5 anos, o ninho estava abastecido com comida suficiente para alimentar toda a comunidade formigueira por 4 estações. Eu e mais outro amigo é que descobrimos a fonte de fartura: um monte enorme de chocolate. Estávamos trabalhando no abastecimento a meses, todo dia era dia de festa lá no ninho. A rainha pensava até em chamar as formiquetes para dar um show por lá. Finalmente íamos descansar. Agora o que temos a fazer é chorar”.
“Chorar e rezar”, segundo Pedro Marrom, especialista em ESM (Estudos sobre Monstro). Marrom afirma que até agora os dados sobre a SD são muito imprecisos, não há registro sobre o tamanho exato do Monstro, tampouco sobre as razões para os seus ataques surpresas. Os estudos mais recentes, porém, garantem que a aglomeração das formigas e a exposição em locais claros sãos os principais fatores de risco. Para a a rainha primordial do ninho central, “O ideal é que as operárias se revezem em turnos separados para evitar a exposição em grupo e que a caça por comida seja realizada em superfícies escuras, onde as fareijeiras não são vistas facilmente”. Outra medida preventiva que está sendo estudada pela rainha é a implantação de aulas de natação em todas as cadeias. “Não quero mais nenhuma fareijeira morrendo afogada”, acrescenta com voz firme.
Apesar da enorme tragédia, de acordo com a Delegacia Central Fórmigas (DCF), o estrago poderia ter sido ainda mais assustador. O delegado João Formigues afirma que a tragédia teria sido 10 vezes pior caso tivesse ocorrido durante o horário de trabalho das fareijeiras, entre 10h e 22h: “Temos sorte que um terço da sociedade estava protegida no ninho e de que as soldadas mais fortes [portadoras do ferrão enriquecido] não estavam trabalhando na hora do massacre”. Na sequência, o delegado destaca outro ponto positivo: “Também temos que comemorar pelo berçário, que não foi atingido. Todas as larvas bebês passam bem”.
A rainha 004 pediu para que as formigas sobreviventes sejam fortes nesse momento e que não se esqueçam dos filhotes. “Não podemos parar, 14.000 larvas estão para nascer nessa semana e precisam de alimento. Em breve, vou elaborar uma nova estratégia de caça que preze a segurança da cadeia”. A rainha declarou estado de calamidade pública e anunciou que os corpos serão enterrados na zona oeste do ninho, na sexta-feira. O Ministério Formigueiro (MF) pede para que os familiares não levem doces ao local, em respeito às vítimas.
Este foi o 38° ataque da SD em toda a população das formigas que se tem notícia. Os estragos totalizados até agora se enquadram na categoria: SD – Mediana. Na cadeia 004, este foi o maior massacre já registrado. O segundo maior aconteceu em setembro de 2006 e deixou 40.000 mortes e 34 feridos.

Observação: A inspiração veio quando, enfurecida com a quantidade de formigas que atacaram o meu ovo de chocolate, comecei a matar todas elas com tapas. Os números e a parte da água fervente são fictícios, embora já tenha utilizado o método em outra ocasião.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Deixa pra lá

- Alô?
- Oi, quem é?
- Você liga pra mim e vem perguntar pra mim quem eu sou?
- É, fiquei curioso. Algum problema?
- Nãããããoo... Nenhum problema. Você liga pra um número qualquer, não se identifica, e fica curioso pra saber quem eu sou. Nenhum problema.
- Exatamente...
- Olha, você me desculpa mas eu não tenho tempo pra besteiras.
- Não desliga. Espera...

Silêncio

- Viu? Eu sabia. Você não tem coragem!
- Coragem?
- É.
- Coragem pra quê?
- Pra desligar. Você gostou de mim.
- Ah, mas essa é boa!
- É a verdade.
- Olha, me desculpa, mas agora é pra valer. Vou desligar.
- Tudo bem, você que sabe.
- Isso mesmo, o telefone é meu e estou DES-LI-GAN..
- VIU! Você não quer desligar!
- Aé? Prova, então.
- Simples, você ainda não desligou. (Risos)
- Ahhhh... Simplesmente porque não sou mal educada e não gosto de desligar o telefone na cara dos outros.
- Existe outra razão...
- Qual?
- É simples: você dividiu as sílabas da palavra desligando.
- E...?
- Quis dar tempo para eu te convencer a não desligar...
- Há, essa foi demais!!! Eu só enfatizei a palavra desligando para deixar bem claro a minha vontade.
- Isso é mentira.
- Olha aqui, você liga pra minha casa, pergunta quem eu sou, faz eu perder o meu tempo e ainda por cima me chama de mentirosa? Pra mim já chega!
- Tudo bem, então desliga o telefone...
- Vou desligar mesmo! Metido.

Silêncio

- Tá vendo?
- O quê?
- Você só ameaça e não cumpre nada.
- Aé? E como você se sentiria se eu desligasse o telefone agora, nesse exato segundo? Em??? Quero ver se você ia continuar com essa bola toda!!!
- Você não faria isso...
- Aé? E como que você pode ter tanta certeza?
- Não tenho.
- Então não fala do que você não sabe!!!
- Sabe, acho que fiz bem em ligar...
- Ai meu Deus, lá vem mais uma... Fala, fala, fez bem por quê?
- Sei lá, você parece meio nervosa. Acho que tava precisando falar com alguém...
- Ah não. Ahhhh não. Primeiro mentirosa, agora nervosinha? Olha aqui, eu vou rastrear o seu telefone e aí você vai ver s..
- NÃO VAI NÃO.
- Ah não? E quem é que vai me impedir?
- Ninguém. Você não vai porque não quer.
- Não quero? (Risos)
- Não. Você gostou de mim.
- (Risos) Ai ai, quanta besteira, meu Deus do céu!
- É sim, gostou sim.
- Vem cá, deu pra ser humorista agora?
- Bem que eu queria, mas a vida me fez escritor.Aliás, me desculpe a indelicadeza. Paulo. Me chamo Paulo.
- Indelicadeza nenhuma. Não perguntei nada.
- E o seu?
- Ann?
- O seu nome, qual é?
- Não adianta, não falo com estranhos.
- Hum, ok... Acho que não me apresentei direito.
- Nem precisa.
- Hum... deixa eu ver. Sou moreno. Tenho olhos verdes, 1.80 de altura e vou para academia 5 vezes por semana. Nas horas vagas, eu escrevo...
- Ninguém perguntou...
- Ai tá bom, tá bom, eu sabia que não ia colar... Não tenho olhos verdes e não vou pra academia. Quer dizer, academia de letras, serve?

Silêncio.

- Não adianta trancar, eu escutei. Você tava rindo.
- Há, você sinceramente acha que eu rir de uma piada tão idiota?
- Pra ser sincero, achei que o seu humor era um pouquinho mais refinado...
- Engraçado!
- Nem tanto...
- Percebi.

Silêncio

- Bom, também não é tão ruim assim... A parte da altura é verdade e eu dou umas corridinhas de vez em quando, serve?
- Depende.
- Do quê?
- Quantas corridinhas?
- Ah, 2 vezes por semana.
- É, serve, serve.
- E você?
- Eu, o quê?
- Quantas corridinhas por semana?
- Umas 2, 3... Ei, escuta aqui, você acha que eu sou burra de sair contando por aí as minhas coisas?
- É pra ser sincero?
- Tanto faz.
- Ah, tem jeitinho que sim.
- Peraí que vou anotar....

Silêncio.

- Anotar o quê?
- As razões pra te processar. Men-ti- rosa. Nerrrr.. vosa e qual foi o último mesmo? Ah, burra. Prontinho! Mas alguma observação?
- Hummm, depende, por enquanto fico só com essas...
- Ok. Então, vou desligar.
- Por quê?
- Porque eu cansei. Tenho mais o que fazer!
- Aé? O quê, por exemplo?
- Olha aqui, diferente de você que não tem mais nada pra fazer, euzinha aqui tenho milhões de coisas pra resolver! Tenho que tomar banho, fazer dois fichamentos, comer alguma coisa e ainda tenho que estudar todo o código civil pra amanhã. Amanhã, tá entendendo? E to aqui perdendo o meu tempo!!!
- Hummmmmmm, quer dizer que a senhorita estuda direito...
- Isso não é da sua conta.
- Na verdade é mais do que você imagina.
- Tô ficando com medo...
- Não precisa.
- Vou desligar.
- Tudo bem.
- Mas antes me diz, por que tudo isso. Em?
- Queria saber um pouco mais sobre a minha futura mulher.
- Futura mulher?
- Isso mesmo.
- Agora você passou dos limites...
- Nem tanto. Você quer ter 1 ou 2 filhos?
- 5!!!!
- Perfeito. Casa ou apartamento?
- Barraca.
- Excelente. Cachorro?
- Pit bull.
- Sempre quis. Praia ou campo?
- Montanha.
- Viu? É o destino.
- Escuta aqui, eu menti pra você, tá entendendo? Quero ter 2 filhos. Doooois, e não cinco. Além do mais eu morro de medo de morar em casa e pro seu governo eu detesto cachorros!!!
- Eu sei... Você não faz o tipo que abriria o jogo assim de primeira.
- Que tipo que eu faço então?
- O meu tipo.
- Você nem sabe nada sobre mim...
- Temos tempo para isso.
- Olha, você está me assustando.
- É o amor. Faz o coração da gente bater mais rápido.
- Pode ser... Vem cá, é isso mesmo?
- O quê?
- Isso, que voce falou.
- O quê?
- Essa história de amor de mulher da sua vida.
- A mais pura verdade.
= E essa história de que também quer ter 2 filhos, morar em apartamento e detesta cachorros?
- A mais pura verdade.
- Huuuum... Você ronca?
- Nunquinha.
- Manda flores?
- Sempre.
- Abre a porta do carro?
- Se for pra você...
- Corre mesmo?
- Duas vezes por semana.
- Tem barriguinha?
- Quase nenhuma.
- E, você é o que mesmo?
- Escritor.
- Hum. Deixa pra próxima, vou desligar.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Boa noite

O título do texto não tem nenhuma razão a não ser a falta de inspiração. Sim. Não tem nenhum propósito também. E sim, ler esse texto pode ser uma tremenda falta do que fazer.
Gostaria de poder atiçar o leitor dizendo que esse texto não parece, mas tem muito a dizer. Gostaria de dizer que por trás desse blá blá blá, sim, existe uma bela lição de moral e que sim, vai valer a pena ter lido.
Mas não se iluda caro leitor. Nada de lições. Nada de especial.
Um toque de humor, então?
Não, nada disso também.
Esse texto tem um único propósito: nenhum.

Então começo com um: Boa noite, leitor.

E não me interessa se agora são nove horas da manhã ou duas horas da tarde, só queria desejar ao leitor uma Boa noite.

Sabe o que é engraçado?

Banalizaram o boa noite. Sim. Banalizaram. As pessoas andam falando boa noite por aí e não sabem o que isso pode significar. Boa noite José. Boa noite Maria. Boa noite fulano... Boa noite virou "olá". E Boa Noite tem andado bem ofendido.

Boa noite virou cumprimento no elevador. Boa noite virou despedida. Boa noite tem substituído o "olá" e o "até logo", e veja bem, tem feito isso de maneira respeitosa.

Sim, porque boa noite virou sinal de respeito...
-Boa noite senhor.
-Boa noite senhora.

Boa noite é tão conhecido que antes do "The book is on the table" lá vem correndo o "Good Morning". E é good morning pra lá, good morning pra lá, e ninguém sabe o por quê do good morning.

Aliás, fico me perguntando quando foi que o Boa Noite surgiu... Boa noite responde: já tem tanto tempo de vida que nem mesmo se lembra.

Quem sabe não foi uma mãe que o pronunciou pela primeira vez? Uma mãe calorosa, cuidadosa, por certo, que sentada na beira da cama da filha rezava baixinho para que Deus a protegesse do mundo. Uma mãe que desejava ardentemente a felicidade da filha e que ao vê-la dormir sussurrava baixinho: Tenha uma boa noite, filha. E sussurrava baixinho todos os dias, todas as noites, pois a reafirmação dessas palavras a tornavam mais verdadeiras.

Quem sabe não tenha existido uma única fundadora. Ou fundador. Quem sabe foram milhares deles, que anomimamente não sabiam um dos outros. E de repente, Boa noite veio ao público. Se tornou famoso. Caiu na boca do povo. Literalmente...

Provavelmente foi descoberto em todas as línguas. Em todos os idiomas. Em todas as expressões. Penso que os animas também o conhecem.

Mas o boa noite tem sido mais que um boa noite. Tem sido um ponto final...
- Querido?
- Hum..
- Você não acha que devemos discutir a nossa relação?
- Hum...
- É querido. Lembra quando namorávamos, não era tão diferente?
- Uhummmm...
- Você não sente saudade?
- Uhum... sinto... claro. Querida? Boa noite.

Boa noite e papo encerrado! É mais ou menos assim... Uma forma educada de dizer olá. Uma forma educada de encerrar conversas.
Não conversamos com o porteiro, mas é claro que dizemos: Boa noite. E basta um boa noite para nos sentirmos bem, nosso papel está cumprido. Ora, se já demos boa noite, o que há de faltar?
Nos deparamos com vizinhos no elevador e lá está ele de novo: O boa noite. E é só. Um boa noite e somos seres devidamente educados.

A questão é: Por que boa noite? Existem derivações, é claro. Durma bem. Durma com os anjos, mas não há como negar: o boa noite está sempre ali. Faz parte de nós. Faz parte de todos os dias...

De todas as noites.

E se pecamos no seu mau uso, o que dói ainda mais, é a sua ausência.

É... um Boa noite pode ser mais importante do que muita gente imagina...

É uma necessidade humana. Exaustivamente necessário.

Quem dorme na solidão, sente sua falta. E ainda sim, lá está ele, o boa noite, no pensamento.

Boa noite. Boa noite. Boa noite.

O boa noite precede a noite. Tudo começa com um Bom dia, uma Boa tarde e de repente o sol se põe e lá está ele, novamente, impune, renascendo com a despedida do sol: O boa noite, pronto para uma nova jornada de trabalho.

Ele está por todos os lados. No escritório, na casa, no quarto. Boa noite definitivamente não pensa em se aposentar.
O mundo precisa dele. Não vive sem ele. Boa noite já faz parte do mundo.

O problema é que o mundo não tem entende qual é a sua parte no mundo.

E se esse texto não tinha propósito algum, agora, ele tem: A vontade, o desejo,... de desejar a você, caro leitor, um grande e rechonchudo, um sincero, de coração:

Boa noite.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cheira

- Mamãe o que que é isso na parede?
- É um quadro filhinha, eu e o seu pai achamos que deveríamos registrar esse momento.
- Mas, porque o nome da mamãe está em negrito, e do lado tá escrito: Oi, adicionei você.
- É uma réplica da página de recados do Orkut filhinha. Foi o primeiro contato que eu e seu pai tivemos.
- O que é Orkut mamãe?
- Ah filha, era como uma sala de bate-papo. Foi assim que eu e papai nos conhecemos.
- E esse outro quadro mamãe?
-Ah filha, foi o primeiro twitt do seu pai. Foi quando me apaixonei.
- Hm...
- Filha, quer ver uma coisa?
- O quê?
- É um álbum querida, com as recordações do papai. Conta a nossa história.
- Quero, quero, quero, quero. Me mostra mãe?
- Claro, vou pegar.
- Olha filha. Essa foi a nossa primeira conversa no MSN, deixei tudo guardadinho registrado no histórico de mensagens.
- Ah mamãe, só tem texto, que coisa mais chata.
- E isso aqui mamãe?
- Ah essa foi a primeira vez que o papai disse TE AMO pra mamãe. Nunca vou esquecer desse scrap.
- Que jeito mais brega, mãe.
- Ah, os tempos eram outros né filhinha.
- E as imagens de vocês mamães?
- Não temos muitas, meu amor. A maioria das fotos estavam gravadas em um pen drive e eu o perdi.
- Mamãe, fotos? Que coisa mais antiga!
- É filha, os tempos mudaram.
- Então, elas não se mexiam? Nada? Nem um tiquinho?
- Não.
- Que sem graça.
- E isso foi o que sobrou da primeira flor que o seu pai me deu.
- Noooossaaaa mãe, é demais! Posso tocar?
- Ué. Claro.
- Hummm, posso sentir o cheirinho.
- Por hoje já chega né filha. Vamos dormir. Boa noite, querida.

-

- Querido, cheira!
- Hummmmmmmm...
- Sabe, ainda bem que certas coisas não mudam. E nunca vão mudar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Jogos Mortais no elevador

- Qual é o andar? – perguntou a ruiva dos cabelos ondulados.
- 10°, por favor. – respondeu Carlos.
Perguntar o número que você deseja é ir é se não, um ato de generosidade, absolutamente inútil. No caso de não se ter mãos ou de se ter as mãos ocupadas faz sentido. Caso contrário, não.
- O tempo está esfriando... – um jovem que devia estar nos seus 22 anos, comentou.
Falar sobre o tempo é se não, uma demonstração de simpatia, uma absoluta demonstração de carência.
- É verdade, está mais frio que no inverno passado e olha que estamos apenas no começo. – respondeu a ruiva, com olhar de pesar.
Responder aos comentários de tempo com mais de 10 palavras é se não, uma demonstração de extrema simpatia, um distúrbio mental.
- É verdade. – respondeu Carlos, que pensava no projeto que estava realizando. As janelas ficariam melhores na direita?
Encerrar o assunto do tempo é se não um ato de antipatia, uma demonstração de bom senso.
- Lá no Rio era diferente, verão o ano todo! – O carioca se sentia deslumbrado com o seu comentário. Adorava falar do Rio sempre que podia.
Voltar no assunto do tempo, aí, já é falta de respeito.
- Ih no meu tempo, o tempo também era outro – ouvia-se um velhinho que até então não havia sido percebido por ninguém.
Silêncio no elevador. Ninguém estava interessado nas histórias do velhinho.
Barulho estranho.
Silêncio de novo.
O elevador estava aparentemente parado.
Silêncio de novo.
- Brother, acho que o elevador parou! – enquanto mastigava um chiclete, o carioca ria-se da situação e apoiava confortavelmente o braço em torno da cabeça. Estava curiosamente, no frio, de bermuda e camiseta justa.
E agora? Todos estavam preparados psicologicamente para alguns minutos dentro daquele ambiente. Comentários relacionados com o tempo, sobre o passado, sobre o Rio. Mas era só. Adeus, e até a próxima viagem. Agora o elevador estava parado.
- No meu tempo não era assim. Os elevadores funcionavam perfeitamente – ouvia-se o velhinho que até então, estava, novamente, despercebido.
Silêncio.
A ruiva refletia se no tempo do velhinho existiam elevadores. Desconfiava, contrariada, que não.
- Bom, vamos ser práticos. Basta apertar o botão da emergência – concluiu Carlos que se sentia completamente deslocado. “Vamos... ser... práticos. Basta... apertar...o...botão...da..emergência”. Nove palavras, contava nos dedos. Nove palavras no elevador, isso devia ser um recorde.
-Certo. Qual desses? ... Hm. O vermelho? – “Não deve ser muito difícil”, pensava a ruiva, enquanto admirava suas botas vermelhas de couro legítimo.
- No meu tempo era mais fácil, só tinha um botão – ouvia-se o velhinho ao longe.
O carioca lavara um susto. Havia um velhinho no elevador? Nossa!
Carlos já estava irritado. Empurrava à ruiva e apertava todos os botões – Pronto! Agora é só esperar que o resgate deve estar chegando.
Silêncio.
O carioca admirava os músculos no espelho. Nada mal. E ainda por cima estava moreno.
Silêncio.
Um minuto.
- Acho que não está funcionando. – concluiu sabiamente a ruiva – Estamos presos! E agora? Por quanto tempo? Meu Deus! O que será de nós? – Suspirou. – Calma, nada de pânico pessoal. Nada de pânico.
- Te-te-te-mos... um pro-pro-ble-ma! – o jovem de 22 anos estava encostado de costas para todos no canto do elevador.
A cena seria assustadora, se não fosse ridícula.
- Ah brother, não vai dizer que está com dor de barriga? – O carioca apertou a barriga e fez cara de dor. Depois morreu de rir da própria piada. De repente ficou sério, como se concluísse que não se tratava de uma piada. – Está?
Silêncio.
A ruiva se afastou lentamente do jovem, o máximo que pode.
- No meu tempo, os remédios para dor de barriga eram caseiros. Muito mais eficientes... – Começou o velhinho.
Carlos se perguntava baixinho: “O que eu fiz para merecer isso, Meu Deus, o quê?”.
Até que o jovem continuou.. - Nã-ã-ão... É.. pi-or!
- Ah nãoooooo! Você... JÁ fez? – O carioca parecia extremamente transtornado.
A ruiva encolhia-se junto a porta do elevador.
- Eu... te-tenho claus-tro-fo-fo-fo-bia. Acho que es-s-stou passan-do-do mal – O jovem estava branco, pálido, fantasmagórico. Os olhos arregalados. A situação não estava nada boa!
A ruiva que até então estava afastada, aproximou-se em sinal de solidariedade – Ei, calma! Já já sairemos daqui, não se preocupe – Ela bem que tentava, mas parecia não acreditar no que dizia.
O carioca suspirou aliviado.
- No meu tempo, não existiam essas doenças. Isso aí é coisa da modernidade. Inventam doenças pra inventar remédios... – O velhinho parou como se fosse desmaiar. Revirou os olhos e todos entenderam se tratar de um “estado momentâneo de raiva”.
De repente, ouve-se uma voz até então desconhecida. Uma voz fininha. Talvez de criança:
- Certo, vamos manter a situação sob controle. Apertamos o botão de emergência e até agora nada. Já passam 5 minutos e 12 segundos. Agora, 13. Bom, que seja. Está na cara que não se trata de um imprevisto. Existe algo que nos relaciona. Trata-se de um teste e precisamos cumprir a missão que nos foi enviada antes que um de nós sofra as consequências. Certo, vamos ver, qual é a sua profissão? – Aponta para a ruiva.
- Sou consultora de moda – Ela parecia interessada e disposta a ajudar.
- Eu... so-o-u empre-sá-á-rio!
A ruiva de repente acolheu com maior e “estranho” carinho o claustrofóbico. Olhava-o com demasiado carinho e quase podia se ler em seus lábios: “Rico?”.
-Você! – A criança apontava agora para o carioca.
- Ah brother, eu faço de tudo um pouco, tá ligado? Agora sou personal trainer. Dá pra ver né?- O sotaque estava mais carregado que nunca. O carioca não parecia ligar muito para a hipótese da criança, mas a perspectiva de responder a pergunta o deixava radiante.
- No meu tempo mocinho, as coisas eram diferentes. Eu fui advogado, empresário, engenheiro, eletricista, professor...
-Hm, vejamos. Falta... você! – Carlos foi apontado!
-ARQUITETO – murmurou. “Mais um pouquinho... e você,... realmente estará correndo, de fato, risco de vida”, pensou.
O jovem claustrofóbico estava assustado e estranhamente mais branco que antes. Os olhos se reviravam com rapidez. Não dava para prever por quanto tempo ele aguentaria. A ruiva parecia feliz com a perspectiva de levá-lo para a casa.
- Escute – a criança dizia enquanto arrumava os óculos - Acho que não se trata da profissão. Quem sabe, algo que fizemos no passado... Hum... Ei, silêncio, eu preciso pensar! (o claustrofóbico respirava alto agora) Ei, o senhor, o que fez de errado no passado?
- Ah meu jovem, no meu tempo não se faziam coisas erradas. As pessoas eram honestas, batalhadoras,...
- Eu roubei um batom, uma vez. – A ruiva pareceu preocupada por alguns instantes e então olhou diretamente para o claustrofóbico – Eu juro, prometi que nunca o faria de novo!
- Não, não, esqueçam. Precisamos de uma nova linha de raciocino. Dá para parar? (o claustrofóbico agora respirava ofegante, alto, e num ritmo acelerado). Que dia é hoje? Talvez, a pista esteja na data... Ou talvez,...
Barulho estranho! O corpo do claustrofóbico tombava no chão. Via-se um leve sorriso no rosto da ruiva.
-AGORA CHEGA!!!!!CHEGA! CHEGA! UM HOMEM ESTÁ DESMAIADO E EU ESTOU ATRASADO PARA O TRABALHO! NÓS....... NÃO......ESTAMOS..........NOS JOGOS MORTAIS! (Carlos sacudia a criança pelos braços) NÃO ME INTERESSA O QUE ACONTECEU NO SEU TEMPO (Apontava para o velhinho que parecia satisfeito em confirmar a hipótese de que as pessoas não eram mais como antigamente). EU NÃO LIGO PARA OS SEUS MÚSCULOS E PARE DE EXIBÍ-LOS NO ESPELHO (O carioca ficou feliz por ter sido mencionado) E VOCÊ? VOCÊ? (Carlos apontava para a ruiva). Bom.. você, pare também! CHEGA, VOU ARROMBAR ESSA PORTA!
Todos abriram espaço para Carlos que avançou impiedosamente contra a porta. De repente, antes que a colisão fosse concluída, a porta foi abrindo devagarzinho... e ...

Assim, todos estavam, finalmente, livres!

Carlos teve ferimentos leves e já passa bem. Mesmo com a perna machucada, subiu de escadas.
Carlos mora no 10° andar.

Os cinco sentidos do amor...

Quem ama tem o olfato aguçado.

É cheiro de mel, de doce, de hortelã, de framboesa... Quem ama sabe. Quem ama gosta e sente até cheiro de cigarro. Quem ama sente cheiro de banho lavado. E inspira fundo o cheirinho da chuva. Não esquece o cheiro da grama molhada do verão de 85. E nem do cheirinho da roupa que a amada usou no primeiro encontro.
Quem ama sente o cheirinho do travesseiro da pessoa amada. E se deitar no lençol sente lá no fundinho, cheiro de felicidade. Quem ama sente o cheiro da pele. O cheiro que ninguém sente.
Quem ama sente o cheiro do lar. Do esforço. Da recompensa. Sente o cheirinho que vem do elevador e aquele que fica bem debaixo da orelha. Sente o cheirinho do pão da padaria e de manteiga derretida. Sente o cheirinho da comida feita pelo amado. Mesmo que seja cheirinho de miojo...

Quem ama tem tato aguçado.

Mãos que deslizam com rapidez e não perdem nenhum detalhe. Quem ama sabe a textura da pele. Tem toque suave, delicado, deslizado. Quem ama sabe fazer carinho. E sabe dar beijinho. Sabe aonde dar beijinho.
Quem ama sabe a textura da língua. De cada ponto da língua. Sabe a textura do cangote. Do lábio. Da testa.
Quem ama conhece a textura do pé. Sabe exatamente onde massageá-lo. Quem ama sabe exatamente onde deve tocar e onde ser tocado.
Quem ama conhece a textura do lábio. As rachaduras. A parte macia. E não se cansa de aprender sempre mais sobre essa textura.
Quem ama gosta de cafuné. Gosta de fazer massagem, de dormir abraçadinho, de se aconchegar no ninho.
Quem ama sabe a textura do abraço. O gosto do braço. E de tantos outros aços...
Quem ama sabe a textura. E sabe bem. Sabe melhor que ninguém...

Quem ama tem audição apurada.

Reconhece de longe, a voz do amado. Sabe direitinho quando é voz de agrado.
Quem ama reconhece. Sabe quando o Ai é de alegria e quando é de tristeza. Sabe quando a voz é de preocupação e quando é melhor não responder.
Quem ama sabe. Não precisa dizer nada. Não precisa nem começar. Porque quem ama sabe o significado de suspiros. De cochichos...
Quem ama sabe quando a voz é de vontade de chorar. E quem ama sabe num “Bom Dia” se está tudo bem, ou não.
Quem ama escuta até a distância, mesmo que seja em outro continente. E se faz alguma pergunta? Quem ama escuta até a resposta.
Quem ama adora sussurros. E mesmo que sejam sussurros bem sussurrados, quem ama sabe os seus significados.
Quem ama escuta. E escuta bem. Escuta melhor que ninguém...

Ah, quem ama tem, tem bom paladar.

Quem ama conhece o gosto do amor. E só sabe o gosto do amor, quem ama de verdade.
Quem ama sabe e sabe bem todos os gostos do amor. Sabe o gosto do mel, do arco-íris, da chuva. Sabe direitinho o gosto de grama molhada. O gosto de abraço e de beijo bem dado.
Quem ama sabe o gosto da amada. Sabe o gosto do doce preferido e o gosto da felicidade.
Sim, quem ama sabe, e sabe bem, o gosto da felicidade. E pra saber o gosto da felicidade, tem de se ter um gosto bem apurado.
Quem ama sabe o gosto da saudade. O gosto do medo de perder. O gosto da reciprocidade.
Quem ama sabe o maior de todos os gostos. O gosto da vida. E sabe bem, sabe melhor que ninguém...

E agora que me perdoem. Mas quem ama enxerga sim, e enxerga muito bem.

Aqueles que dizem que o amor é cego é porque estão cegos pela falta de amor.
Quem ama sim tem boa visão. Aliás, quem ama não vê. Enxerga. Atravessa. Invade.
Quem ama tem visão raio X. Quem ama tem visão superdotada. Só quem ama enxerga de verdade.
Enxerga através das aparências. Enxerga a fundo. E lá no fundo, enxerga o coração.
Só quem ama enxerga a essência. Enxerga a pessoa. Enxerga os defeitos e as qualidades.
Só quem ama consegue enxergar a verdadeira beleza. A mais pura das belezas. A beleza secreta de cada um.
E só quem ama sabe admirar essa beleza. Admirar como ela merece, como ela é. Quem ama não se cansa de admirar.
Só quem ama enxerga as verdades. Enxerga através dos olhos. Dentro dos olhos. Enxerga a alma e tudo de melhor que ela tem a oferecer.
Quem ama enxerga muito bem. Enxerga como ninguém...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Guerra muda

Perdia a noção do tempo. Quantas horas haviam se passado? Estaria claro ou escuro lá fora? Será que os passarinhos cantavam? Será que existiam passarinhos por ali? Talvez, carros? Quem sabe nada disso. Talvez realmente estivesse sozinho por uma longa extensão sem precedentes. Certamente assim, seria mais seguro. Seguro, para eles. Para ele não. Decididamente não. Seria terça-feira? Quarta-feira de cinzas? Meu Deus! Quantas horas já havia se passado? Deus? Deus! Por onde andavas?...
Sentia o cheiro da desesperança. O bafo quente da morte. O hálito podre do vazio. Forçou um sorriso. Um sorriso que ninguém veria. Um sorriso que se perderia no silêncio inquieto. No silêncio que quase o deixava surdo. Um sorriso que não amadureceu, nem mesmno nasceu. Se perdeu no tempo, beirou pelo vão da boca e estacionou. Os músculos enrigecidos tinham desaprendido a sorrir. Quem sabe, nem mesmo tinham interesse em aprender. Quem sabe protestavam em obediente silêncio.
Por que, ele? Por quê? Por quê? Por quê tanta maldade? Dinheiro? O que queriam? Deus! Quanta hipocrisia. Podiam lhe roubar tudo. Tudo! Mas não, o direito de pensar, não. Pense! Esforce-se! Mantenha-se vivo!
O ar entrava pelo nariz. O tórax contraia. Os pulmões inchavam. Trocar gasosas ocorriam nos álveolos pulmonares. Os brônquios abriam. Pausa. O tórax relaxava. Expirava. Pausa. Isso o mantinha. Era um fato, não havia contestação, estava vivo. Mortalmente vivo. Porém, inegavelmente vivo. Por quanto tempo? Quantas horas? Quantos segundos? O ar entrava. Ele não sentia mais. Automático. Pausa. A alma esvanecendo. O tórax relaxava. Estaria realmente vivo? Já não tinha mais tanta certeza. Que gosto teria a morte? Pausa. Que gosto teria a vida?
A VIDA! Deus! A vida vinha como em flashes nas imagens. Que belas fotografias reais! E elas sorriam com ternura, rodopiavam e dançavam pelo ar. Esquentavam seu rosto e quando tocavam-lhe o coração ele sentia. Sentia, intensamente. Sentia o amor... E por instantes, quase sentia a esquecida vida. E então os músculos relaxavam e ele quase sorria. Contudo, na mesma velocidade enrigeciam. E ele enfraquecia, se perdia no escuro. Sentia medo. Sentia a solidão. Quase podia apalpá-la, faltava espaço para os dois. E a solidão vinha mais rápido que as imagens e estacionava. Ria-se, deboxava, sentia-se em casa, acomodada. Não tinha intenção de partir. Não era visita.
E ele ficava ali. Imóvel, um mero expectador... Enquanto uma guerra muda. Barulhenta! Travava-se bem na sua frente. As imagens contra a solidão. O amor contra o medo. A vida, contra a morte. E de repente... O rosto de Joana foi surgindo... Imergindo do vazio. Brilhava no escuro! Só havia espaço para ela.

Adeus, visitas!

E então ele sorriu ao perceber que sem perceber sorria...