terça-feira, 14 de setembro de 2010

Boa noite

O título do texto não tem nenhuma razão a não ser a falta de inspiração. Sim. Não tem nenhum propósito também. E sim, ler esse texto pode ser uma tremenda falta do que fazer.
Gostaria de poder atiçar o leitor dizendo que esse texto não parece, mas tem muito a dizer. Gostaria de dizer que por trás desse blá blá blá, sim, existe uma bela lição de moral e que sim, vai valer a pena ter lido.
Mas não se iluda caro leitor. Nada de lições. Nada de especial.
Um toque de humor, então?
Não, nada disso também.
Esse texto tem um único propósito: nenhum.

Então começo com um: Boa noite, leitor.

E não me interessa se agora são nove horas da manhã ou duas horas da tarde, só queria desejar ao leitor uma Boa noite.

Sabe o que é engraçado?

Banalizaram o boa noite. Sim. Banalizaram. As pessoas andam falando boa noite por aí e não sabem o que isso pode significar. Boa noite José. Boa noite Maria. Boa noite fulano... Boa noite virou "olá". E Boa Noite tem andado bem ofendido.

Boa noite virou cumprimento no elevador. Boa noite virou despedida. Boa noite tem substituído o "olá" e o "até logo", e veja bem, tem feito isso de maneira respeitosa.

Sim, porque boa noite virou sinal de respeito...
-Boa noite senhor.
-Boa noite senhora.

Boa noite é tão conhecido que antes do "The book is on the table" lá vem correndo o "Good Morning". E é good morning pra lá, good morning pra lá, e ninguém sabe o por quê do good morning.

Aliás, fico me perguntando quando foi que o Boa Noite surgiu... Boa noite responde: já tem tanto tempo de vida que nem mesmo se lembra.

Quem sabe não foi uma mãe que o pronunciou pela primeira vez? Uma mãe calorosa, cuidadosa, por certo, que sentada na beira da cama da filha rezava baixinho para que Deus a protegesse do mundo. Uma mãe que desejava ardentemente a felicidade da filha e que ao vê-la dormir sussurrava baixinho: Tenha uma boa noite, filha. E sussurrava baixinho todos os dias, todas as noites, pois a reafirmação dessas palavras a tornavam mais verdadeiras.

Quem sabe não tenha existido uma única fundadora. Ou fundador. Quem sabe foram milhares deles, que anomimamente não sabiam um dos outros. E de repente, Boa noite veio ao público. Se tornou famoso. Caiu na boca do povo. Literalmente...

Provavelmente foi descoberto em todas as línguas. Em todos os idiomas. Em todas as expressões. Penso que os animas também o conhecem.

Mas o boa noite tem sido mais que um boa noite. Tem sido um ponto final...
- Querido?
- Hum..
- Você não acha que devemos discutir a nossa relação?
- Hum...
- É querido. Lembra quando namorávamos, não era tão diferente?
- Uhummmm...
- Você não sente saudade?
- Uhum... sinto... claro. Querida? Boa noite.

Boa noite e papo encerrado! É mais ou menos assim... Uma forma educada de dizer olá. Uma forma educada de encerrar conversas.
Não conversamos com o porteiro, mas é claro que dizemos: Boa noite. E basta um boa noite para nos sentirmos bem, nosso papel está cumprido. Ora, se já demos boa noite, o que há de faltar?
Nos deparamos com vizinhos no elevador e lá está ele de novo: O boa noite. E é só. Um boa noite e somos seres devidamente educados.

A questão é: Por que boa noite? Existem derivações, é claro. Durma bem. Durma com os anjos, mas não há como negar: o boa noite está sempre ali. Faz parte de nós. Faz parte de todos os dias...

De todas as noites.

E se pecamos no seu mau uso, o que dói ainda mais, é a sua ausência.

É... um Boa noite pode ser mais importante do que muita gente imagina...

É uma necessidade humana. Exaustivamente necessário.

Quem dorme na solidão, sente sua falta. E ainda sim, lá está ele, o boa noite, no pensamento.

Boa noite. Boa noite. Boa noite.

O boa noite precede a noite. Tudo começa com um Bom dia, uma Boa tarde e de repente o sol se põe e lá está ele, novamente, impune, renascendo com a despedida do sol: O boa noite, pronto para uma nova jornada de trabalho.

Ele está por todos os lados. No escritório, na casa, no quarto. Boa noite definitivamente não pensa em se aposentar.
O mundo precisa dele. Não vive sem ele. Boa noite já faz parte do mundo.

O problema é que o mundo não tem entende qual é a sua parte no mundo.

E se esse texto não tinha propósito algum, agora, ele tem: A vontade, o desejo,... de desejar a você, caro leitor, um grande e rechonchudo, um sincero, de coração:

Boa noite.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cheira

- Mamãe o que que é isso na parede?
- É um quadro filhinha, eu e o seu pai achamos que deveríamos registrar esse momento.
- Mas, porque o nome da mamãe está em negrito, e do lado tá escrito: Oi, adicionei você.
- É uma réplica da página de recados do Orkut filhinha. Foi o primeiro contato que eu e seu pai tivemos.
- O que é Orkut mamãe?
- Ah filha, era como uma sala de bate-papo. Foi assim que eu e papai nos conhecemos.
- E esse outro quadro mamãe?
-Ah filha, foi o primeiro twitt do seu pai. Foi quando me apaixonei.
- Hm...
- Filha, quer ver uma coisa?
- O quê?
- É um álbum querida, com as recordações do papai. Conta a nossa história.
- Quero, quero, quero, quero. Me mostra mãe?
- Claro, vou pegar.
- Olha filha. Essa foi a nossa primeira conversa no MSN, deixei tudo guardadinho registrado no histórico de mensagens.
- Ah mamãe, só tem texto, que coisa mais chata.
- E isso aqui mamãe?
- Ah essa foi a primeira vez que o papai disse TE AMO pra mamãe. Nunca vou esquecer desse scrap.
- Que jeito mais brega, mãe.
- Ah, os tempos eram outros né filhinha.
- E as imagens de vocês mamães?
- Não temos muitas, meu amor. A maioria das fotos estavam gravadas em um pen drive e eu o perdi.
- Mamãe, fotos? Que coisa mais antiga!
- É filha, os tempos mudaram.
- Então, elas não se mexiam? Nada? Nem um tiquinho?
- Não.
- Que sem graça.
- E isso foi o que sobrou da primeira flor que o seu pai me deu.
- Noooossaaaa mãe, é demais! Posso tocar?
- Ué. Claro.
- Hummm, posso sentir o cheirinho.
- Por hoje já chega né filha. Vamos dormir. Boa noite, querida.

-

- Querido, cheira!
- Hummmmmmmm...
- Sabe, ainda bem que certas coisas não mudam. E nunca vão mudar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Jogos Mortais no elevador

- Qual é o andar? – perguntou a ruiva dos cabelos ondulados.
- 10°, por favor. – respondeu Carlos.
Perguntar o número que você deseja é ir é se não, um ato de generosidade, absolutamente inútil. No caso de não se ter mãos ou de se ter as mãos ocupadas faz sentido. Caso contrário, não.
- O tempo está esfriando... – um jovem que devia estar nos seus 22 anos, comentou.
Falar sobre o tempo é se não, uma demonstração de simpatia, uma absoluta demonstração de carência.
- É verdade, está mais frio que no inverno passado e olha que estamos apenas no começo. – respondeu a ruiva, com olhar de pesar.
Responder aos comentários de tempo com mais de 10 palavras é se não, uma demonstração de extrema simpatia, um distúrbio mental.
- É verdade. – respondeu Carlos, que pensava no projeto que estava realizando. As janelas ficariam melhores na direita?
Encerrar o assunto do tempo é se não um ato de antipatia, uma demonstração de bom senso.
- Lá no Rio era diferente, verão o ano todo! – O carioca se sentia deslumbrado com o seu comentário. Adorava falar do Rio sempre que podia.
Voltar no assunto do tempo, aí, já é falta de respeito.
- Ih no meu tempo, o tempo também era outro – ouvia-se um velhinho que até então não havia sido percebido por ninguém.
Silêncio no elevador. Ninguém estava interessado nas histórias do velhinho.
Barulho estranho.
Silêncio de novo.
O elevador estava aparentemente parado.
Silêncio de novo.
- Brother, acho que o elevador parou! – enquanto mastigava um chiclete, o carioca ria-se da situação e apoiava confortavelmente o braço em torno da cabeça. Estava curiosamente, no frio, de bermuda e camiseta justa.
E agora? Todos estavam preparados psicologicamente para alguns minutos dentro daquele ambiente. Comentários relacionados com o tempo, sobre o passado, sobre o Rio. Mas era só. Adeus, e até a próxima viagem. Agora o elevador estava parado.
- No meu tempo não era assim. Os elevadores funcionavam perfeitamente – ouvia-se o velhinho que até então, estava, novamente, despercebido.
Silêncio.
A ruiva refletia se no tempo do velhinho existiam elevadores. Desconfiava, contrariada, que não.
- Bom, vamos ser práticos. Basta apertar o botão da emergência – concluiu Carlos que se sentia completamente deslocado. “Vamos... ser... práticos. Basta... apertar...o...botão...da..emergência”. Nove palavras, contava nos dedos. Nove palavras no elevador, isso devia ser um recorde.
-Certo. Qual desses? ... Hm. O vermelho? – “Não deve ser muito difícil”, pensava a ruiva, enquanto admirava suas botas vermelhas de couro legítimo.
- No meu tempo era mais fácil, só tinha um botão – ouvia-se o velhinho ao longe.
O carioca lavara um susto. Havia um velhinho no elevador? Nossa!
Carlos já estava irritado. Empurrava à ruiva e apertava todos os botões – Pronto! Agora é só esperar que o resgate deve estar chegando.
Silêncio.
O carioca admirava os músculos no espelho. Nada mal. E ainda por cima estava moreno.
Silêncio.
Um minuto.
- Acho que não está funcionando. – concluiu sabiamente a ruiva – Estamos presos! E agora? Por quanto tempo? Meu Deus! O que será de nós? – Suspirou. – Calma, nada de pânico pessoal. Nada de pânico.
- Te-te-te-mos... um pro-pro-ble-ma! – o jovem de 22 anos estava encostado de costas para todos no canto do elevador.
A cena seria assustadora, se não fosse ridícula.
- Ah brother, não vai dizer que está com dor de barriga? – O carioca apertou a barriga e fez cara de dor. Depois morreu de rir da própria piada. De repente ficou sério, como se concluísse que não se tratava de uma piada. – Está?
Silêncio.
A ruiva se afastou lentamente do jovem, o máximo que pode.
- No meu tempo, os remédios para dor de barriga eram caseiros. Muito mais eficientes... – Começou o velhinho.
Carlos se perguntava baixinho: “O que eu fiz para merecer isso, Meu Deus, o quê?”.
Até que o jovem continuou.. - Nã-ã-ão... É.. pi-or!
- Ah nãoooooo! Você... JÁ fez? – O carioca parecia extremamente transtornado.
A ruiva encolhia-se junto a porta do elevador.
- Eu... te-tenho claus-tro-fo-fo-fo-bia. Acho que es-s-stou passan-do-do mal – O jovem estava branco, pálido, fantasmagórico. Os olhos arregalados. A situação não estava nada boa!
A ruiva que até então estava afastada, aproximou-se em sinal de solidariedade – Ei, calma! Já já sairemos daqui, não se preocupe – Ela bem que tentava, mas parecia não acreditar no que dizia.
O carioca suspirou aliviado.
- No meu tempo, não existiam essas doenças. Isso aí é coisa da modernidade. Inventam doenças pra inventar remédios... – O velhinho parou como se fosse desmaiar. Revirou os olhos e todos entenderam se tratar de um “estado momentâneo de raiva”.
De repente, ouve-se uma voz até então desconhecida. Uma voz fininha. Talvez de criança:
- Certo, vamos manter a situação sob controle. Apertamos o botão de emergência e até agora nada. Já passam 5 minutos e 12 segundos. Agora, 13. Bom, que seja. Está na cara que não se trata de um imprevisto. Existe algo que nos relaciona. Trata-se de um teste e precisamos cumprir a missão que nos foi enviada antes que um de nós sofra as consequências. Certo, vamos ver, qual é a sua profissão? – Aponta para a ruiva.
- Sou consultora de moda – Ela parecia interessada e disposta a ajudar.
- Eu... so-o-u empre-sá-á-rio!
A ruiva de repente acolheu com maior e “estranho” carinho o claustrofóbico. Olhava-o com demasiado carinho e quase podia se ler em seus lábios: “Rico?”.
-Você! – A criança apontava agora para o carioca.
- Ah brother, eu faço de tudo um pouco, tá ligado? Agora sou personal trainer. Dá pra ver né?- O sotaque estava mais carregado que nunca. O carioca não parecia ligar muito para a hipótese da criança, mas a perspectiva de responder a pergunta o deixava radiante.
- No meu tempo mocinho, as coisas eram diferentes. Eu fui advogado, empresário, engenheiro, eletricista, professor...
-Hm, vejamos. Falta... você! – Carlos foi apontado!
-ARQUITETO – murmurou. “Mais um pouquinho... e você,... realmente estará correndo, de fato, risco de vida”, pensou.
O jovem claustrofóbico estava assustado e estranhamente mais branco que antes. Os olhos se reviravam com rapidez. Não dava para prever por quanto tempo ele aguentaria. A ruiva parecia feliz com a perspectiva de levá-lo para a casa.
- Escute – a criança dizia enquanto arrumava os óculos - Acho que não se trata da profissão. Quem sabe, algo que fizemos no passado... Hum... Ei, silêncio, eu preciso pensar! (o claustrofóbico respirava alto agora) Ei, o senhor, o que fez de errado no passado?
- Ah meu jovem, no meu tempo não se faziam coisas erradas. As pessoas eram honestas, batalhadoras,...
- Eu roubei um batom, uma vez. – A ruiva pareceu preocupada por alguns instantes e então olhou diretamente para o claustrofóbico – Eu juro, prometi que nunca o faria de novo!
- Não, não, esqueçam. Precisamos de uma nova linha de raciocino. Dá para parar? (o claustrofóbico agora respirava ofegante, alto, e num ritmo acelerado). Que dia é hoje? Talvez, a pista esteja na data... Ou talvez,...
Barulho estranho! O corpo do claustrofóbico tombava no chão. Via-se um leve sorriso no rosto da ruiva.
-AGORA CHEGA!!!!!CHEGA! CHEGA! UM HOMEM ESTÁ DESMAIADO E EU ESTOU ATRASADO PARA O TRABALHO! NÓS....... NÃO......ESTAMOS..........NOS JOGOS MORTAIS! (Carlos sacudia a criança pelos braços) NÃO ME INTERESSA O QUE ACONTECEU NO SEU TEMPO (Apontava para o velhinho que parecia satisfeito em confirmar a hipótese de que as pessoas não eram mais como antigamente). EU NÃO LIGO PARA OS SEUS MÚSCULOS E PARE DE EXIBÍ-LOS NO ESPELHO (O carioca ficou feliz por ter sido mencionado) E VOCÊ? VOCÊ? (Carlos apontava para a ruiva). Bom.. você, pare também! CHEGA, VOU ARROMBAR ESSA PORTA!
Todos abriram espaço para Carlos que avançou impiedosamente contra a porta. De repente, antes que a colisão fosse concluída, a porta foi abrindo devagarzinho... e ...

Assim, todos estavam, finalmente, livres!

Carlos teve ferimentos leves e já passa bem. Mesmo com a perna machucada, subiu de escadas.
Carlos mora no 10° andar.

Os cinco sentidos do amor...

Quem ama tem o olfato aguçado.

É cheiro de mel, de doce, de hortelã, de framboesa... Quem ama sabe. Quem ama gosta e sente até cheiro de cigarro. Quem ama sente cheiro de banho lavado. E inspira fundo o cheirinho da chuva. Não esquece o cheiro da grama molhada do verão de 85. E nem do cheirinho da roupa que a amada usou no primeiro encontro.
Quem ama sente o cheirinho do travesseiro da pessoa amada. E se deitar no lençol sente lá no fundinho, cheiro de felicidade. Quem ama sente o cheiro da pele. O cheiro que ninguém sente.
Quem ama sente o cheiro do lar. Do esforço. Da recompensa. Sente o cheirinho que vem do elevador e aquele que fica bem debaixo da orelha. Sente o cheirinho do pão da padaria e de manteiga derretida. Sente o cheirinho da comida feita pelo amado. Mesmo que seja cheirinho de miojo...

Quem ama tem tato aguçado.

Mãos que deslizam com rapidez e não perdem nenhum detalhe. Quem ama sabe a textura da pele. Tem toque suave, delicado, deslizado. Quem ama sabe fazer carinho. E sabe dar beijinho. Sabe aonde dar beijinho.
Quem ama sabe a textura da língua. De cada ponto da língua. Sabe a textura do cangote. Do lábio. Da testa.
Quem ama conhece a textura do pé. Sabe exatamente onde massageá-lo. Quem ama sabe exatamente onde deve tocar e onde ser tocado.
Quem ama conhece a textura do lábio. As rachaduras. A parte macia. E não se cansa de aprender sempre mais sobre essa textura.
Quem ama gosta de cafuné. Gosta de fazer massagem, de dormir abraçadinho, de se aconchegar no ninho.
Quem ama sabe a textura do abraço. O gosto do braço. E de tantos outros aços...
Quem ama sabe a textura. E sabe bem. Sabe melhor que ninguém...

Quem ama tem audição apurada.

Reconhece de longe, a voz do amado. Sabe direitinho quando é voz de agrado.
Quem ama reconhece. Sabe quando o Ai é de alegria e quando é de tristeza. Sabe quando a voz é de preocupação e quando é melhor não responder.
Quem ama sabe. Não precisa dizer nada. Não precisa nem começar. Porque quem ama sabe o significado de suspiros. De cochichos...
Quem ama sabe quando a voz é de vontade de chorar. E quem ama sabe num “Bom Dia” se está tudo bem, ou não.
Quem ama escuta até a distância, mesmo que seja em outro continente. E se faz alguma pergunta? Quem ama escuta até a resposta.
Quem ama adora sussurros. E mesmo que sejam sussurros bem sussurrados, quem ama sabe os seus significados.
Quem ama escuta. E escuta bem. Escuta melhor que ninguém...

Ah, quem ama tem, tem bom paladar.

Quem ama conhece o gosto do amor. E só sabe o gosto do amor, quem ama de verdade.
Quem ama sabe e sabe bem todos os gostos do amor. Sabe o gosto do mel, do arco-íris, da chuva. Sabe direitinho o gosto de grama molhada. O gosto de abraço e de beijo bem dado.
Quem ama sabe o gosto da amada. Sabe o gosto do doce preferido e o gosto da felicidade.
Sim, quem ama sabe, e sabe bem, o gosto da felicidade. E pra saber o gosto da felicidade, tem de se ter um gosto bem apurado.
Quem ama sabe o gosto da saudade. O gosto do medo de perder. O gosto da reciprocidade.
Quem ama sabe o maior de todos os gostos. O gosto da vida. E sabe bem, sabe melhor que ninguém...

E agora que me perdoem. Mas quem ama enxerga sim, e enxerga muito bem.

Aqueles que dizem que o amor é cego é porque estão cegos pela falta de amor.
Quem ama sim tem boa visão. Aliás, quem ama não vê. Enxerga. Atravessa. Invade.
Quem ama tem visão raio X. Quem ama tem visão superdotada. Só quem ama enxerga de verdade.
Enxerga através das aparências. Enxerga a fundo. E lá no fundo, enxerga o coração.
Só quem ama enxerga a essência. Enxerga a pessoa. Enxerga os defeitos e as qualidades.
Só quem ama consegue enxergar a verdadeira beleza. A mais pura das belezas. A beleza secreta de cada um.
E só quem ama sabe admirar essa beleza. Admirar como ela merece, como ela é. Quem ama não se cansa de admirar.
Só quem ama enxerga as verdades. Enxerga através dos olhos. Dentro dos olhos. Enxerga a alma e tudo de melhor que ela tem a oferecer.
Quem ama enxerga muito bem. Enxerga como ninguém...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Guerra muda

Perdia a noção do tempo. Quantas horas haviam se passado? Estaria claro ou escuro lá fora? Será que os passarinhos cantavam? Será que existiam passarinhos por ali? Talvez, carros? Quem sabe nada disso. Talvez realmente estivesse sozinho por uma longa extensão sem precedentes. Certamente assim, seria mais seguro. Seguro, para eles. Para ele não. Decididamente não. Seria terça-feira? Quarta-feira de cinzas? Meu Deus! Quantas horas já havia se passado? Deus? Deus! Por onde andavas?...
Sentia o cheiro da desesperança. O bafo quente da morte. O hálito podre do vazio. Forçou um sorriso. Um sorriso que ninguém veria. Um sorriso que se perderia no silêncio inquieto. No silêncio que quase o deixava surdo. Um sorriso que não amadureceu, nem mesmno nasceu. Se perdeu no tempo, beirou pelo vão da boca e estacionou. Os músculos enrigecidos tinham desaprendido a sorrir. Quem sabe, nem mesmo tinham interesse em aprender. Quem sabe protestavam em obediente silêncio.
Por que, ele? Por quê? Por quê? Por quê tanta maldade? Dinheiro? O que queriam? Deus! Quanta hipocrisia. Podiam lhe roubar tudo. Tudo! Mas não, o direito de pensar, não. Pense! Esforce-se! Mantenha-se vivo!
O ar entrava pelo nariz. O tórax contraia. Os pulmões inchavam. Trocar gasosas ocorriam nos álveolos pulmonares. Os brônquios abriam. Pausa. O tórax relaxava. Expirava. Pausa. Isso o mantinha. Era um fato, não havia contestação, estava vivo. Mortalmente vivo. Porém, inegavelmente vivo. Por quanto tempo? Quantas horas? Quantos segundos? O ar entrava. Ele não sentia mais. Automático. Pausa. A alma esvanecendo. O tórax relaxava. Estaria realmente vivo? Já não tinha mais tanta certeza. Que gosto teria a morte? Pausa. Que gosto teria a vida?
A VIDA! Deus! A vida vinha como em flashes nas imagens. Que belas fotografias reais! E elas sorriam com ternura, rodopiavam e dançavam pelo ar. Esquentavam seu rosto e quando tocavam-lhe o coração ele sentia. Sentia, intensamente. Sentia o amor... E por instantes, quase sentia a esquecida vida. E então os músculos relaxavam e ele quase sorria. Contudo, na mesma velocidade enrigeciam. E ele enfraquecia, se perdia no escuro. Sentia medo. Sentia a solidão. Quase podia apalpá-la, faltava espaço para os dois. E a solidão vinha mais rápido que as imagens e estacionava. Ria-se, deboxava, sentia-se em casa, acomodada. Não tinha intenção de partir. Não era visita.
E ele ficava ali. Imóvel, um mero expectador... Enquanto uma guerra muda. Barulhenta! Travava-se bem na sua frente. As imagens contra a solidão. O amor contra o medo. A vida, contra a morte. E de repente... O rosto de Joana foi surgindo... Imergindo do vazio. Brilhava no escuro! Só havia espaço para ela.

Adeus, visitas!

E então ele sorriu ao perceber que sem perceber sorria...

domingo, 9 de maio de 2010

6703

- 6689

Por que diabos que filas existem? Quer dizer... Como que os poderosos cientistas que conseguem produzir computadores menores que o meu dedo com capacidade maior que o meu cérebro, simplesmente não conseguem solucionar o problema das filas? Ora essa!

-6690

Não deve ser tão difícil assim fazer um sistema pela internet. Seria perfeito. Você entra no site. Completa algumas informações. Coloca o CEP do lugar em que se encontra. O veículo que vai usar. Aí o sistema calcula o tempo que você precisa para sair de casa e chegar na hora em que o último candidado acabou de ser atendido. O sistema poderia até mandar uma mensagem para o seu celular: Olá fulano. Você é o próximo da fila. Tem 10 minutos para chegar. Vá pela Rua tal que está menos engarrafa. Obrigada, estamos aguardando você. Tenha um bom dia!

-6691

Não seria nada mal. E se um dia essa ideia pega em? Vou querer a autoria. Pena que ninguém tem acesso aos meus pensamentos.
Eu disse pena? Ainda bem. Céus, nem sei o que poderia acontecer. Que vergonha!!!
Mas que diabos é aquilo? Aquele cara não tá colocando o dedo no nariz, tá?!? Caramba!!! Ele não parou no sinal vermelho. É... Porque no sinal vermelho eu ATÉ posso tentar entender. Quer dizer, você encara o carro do lado por alguns segundos e Adeus!, nunca mais o verá. Mas numa fila? Céus! Qual é a dele? Não, não, não... Eu não estou acreditando. Ele tá usando a chave do carro pra tirar a cera do ouvido? Geenteeee! Alguém avisa pra ele que esse ambiente é público. PÚ-BLI-CO.

-6692

E ele não cansou ainda. Ai, preciso parar de olhar. Tô ficando enjoada. Mas também! Com essas paredes laranjas, quem não ficaria? Sabe o que eu acho? Pensando bem essa parede ficaria bem melhor se fosse verde. Esse laranja... não... não ficou legal. Tá um tom muito vibrante. Acho que eu li em uma revista esses dias, que revista que foi? Dizia que a cor laranja deixa as pessoas estressadas. É, definitivamente, a cor laranja não faz bem. Mas que falta de projeto. Quem foi o arquiteto desse lugar?

-6693

Hm, mas será que é o arquiteto que escolhe a cor das paredes? Acho que tem um nome específico pra isso. D... De... De...? Começava com D. Design. Design de Interiores! Isso! Acho que é isso. Nossa, mas quem foi o designer desse lugar?

-6694

Se bem que... Não tenho certeza se era laranja. Vermelho? Será? Isso, isso, isso. Era vermelho. É o vermelho que deixa as pessoas irritadas. Ai Meu Deus,... ou seria o preto? Preto, preto, preto? É preto. Acho que é o preto. Vermelho deve ser a cor da paixão. Mas então... E o laranja, qual o significado da cor laranja.... Laranja... Laranja...

-6695

Hmmm... Um suquinho de laranja agora cairia bem! Bem geladinho!!! Esse calor tá me matando! Eu sabia. Mas eu SA-BI-A. Eu tinha certeza. A Maria tava certa. Ela me avisou, olhaaaa... tá quente!! Mas não, eu não quis dar ouvidos! Blusa comprida. Com o que eu estava na cabeça? Agora estou morrendo de calor!!

-6696

E o pior de tudo vai ser fazer a reforma lá de casa com esse calor. Meu Deus, não posso esquecer de ligar pro Seu João. Ele ficou de levar as coisas amanhã. Ai Meu Deus, tomara que ele não esteja abusando do meu dinheiro! Aqueles tijolos estavam tão caros. Mas tão caros!!!
Genteeeeeee, para TU-DO! Que blusa mais LINDA. E essa calça? Aonde que ela comprou?

-6697

Mas pra que tão apertada? Devia ter comprado um número maior. Essa mania que as pessoas tem se enfiarem em números menores. Qual é o problema de comprar um número maior? É... Se bem que, se me pedissem pra vestir 40, eu não vestia. Ah, mas eu não vestia!! Adoro aquelas lojas: “Olha o formato dela é grande. Acho que devias pegar o menor desse”. Mas olha... Essa blusa ficaria melhor com uma calça larga. Talvez. Mas essas sandálias estão espetaculares, tenho que de admitir. Aonde será que ela comprou em!?

-6698

Meio dia e meio? Gente! Quase quatro horas numa fila. Dá pra acreditar? QUATRO HORAS. É por isso que esses sapatos estão me encomodando. E até pegar o carro, trocar de roupa, Ih... Vou chegar atrasada no trabalho desse jeito. Será que falta muito?? Devia ter trazido o meu livro. Aaaaaaaah, devia. Não posso esquecer de ligar pra Alexandra hoje! Ela disse que ia chegar de viagem, bom pra ela, deve ter aproveitado pra caramba. Acho que o Carlos é um cara legal pra ela. Depois do Jorge também, coitada. A Alexandra não merecia aquilo.

-6699

Meu Deus do Céu. O que que é aquilo? Não não não, o que que aqueles dois tão fazendo. Gente! Isso é quase um sexo ao ar livre. Quantos anos será que eles tem? Pela carinha dela deve ter uns 22. É 22. E ele, 23. Mais que absurdo!! E depois colocam nas novelas: Proibido para menores de 12 anos. Pra quê? Pra quê? É só sair de casa, pra ver. Mas que absurdo.
O que... que eles tão fazendo?

-6700

O que que é isso?... An? Que mãozinha foi aquela? Gente, falta vergonha nesse mundo! Gente.......... O que que é isso! Eles.. tão...?

-6701

Ai, finalmente. Pelo amor de Deus se tocaram. Estão indo embora! E olha que tem crianças no lugar. Se eu fosse a mãe daquela menina ali, eu ía reclamar. Aaaaaah eu ía.

-6702

Gente... Que demora! Preciso fazer essa cutícula. E essa cor de unha não tá legal, eu devia ter pintando daquele azul turquesa. Ai qual era mesmo o nome? Azulejo? Azulejo. Isso é nome de esmalte. Azulejo? Que nome brochante. Azulejo. Hahaha Que estranha essa palavra. A-ZUL-LE-JO. Azulejo, parece que é azul. Mas tem azulejo de todas as cores. Que engraçado!

-6703

-Próximo!

6703? 6703!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6703!!!!!!!
Minha Santa Teresinha. 6703. Ai meu Deus do Céu.
Isso não tá acontecendo.
Minha bolsa, minha bolsa. Calma, deve estar aqui dentro. Caramba, o que que é isso? Tenho que aprender a colocar menos coisas na bolsa. É impossível se achar aqui.
Caaaalma. Calma!! Deve estar no bolso.
Essa calça não tem bolso?
No chão, no chão, no chão. Calma. Dá pra dar licença. Ai meu Deus do Céu, é a minha vez. Com licença por favor. Cadê, cadê, cadê? Eu sabia. Se fosse pelo sistema de internet isso não estaria acontecendo. Ai meu Deus do céu. Aonde que eu coloquei o papel. Deve tá por aqui.... Aonde??? São Longuinho, são Longuinho. Me ajuda!!!
Tá, pensa, pensa.
É óbvio. Vou sem a senha. É... Falo que perdi o bilhete e pronto! Isso! Como não pensei nisso antes?

-6704

- Calma, sou eu. O 6703!

-Senhora, este senhor já apresentou a senha.

-Mas essa senha era minha. Eu acabei de perder. Eu juro!

-Essa senha é minha, moça! (sorrico sarcástico)

-Lamento Senhora.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh Maldito!!!!! E ainda por cima tira meleca.