quinta-feira, 24 de junho de 2010

Jogos Mortais no elevador

- Qual é o andar? – perguntou a ruiva dos cabelos ondulados.
- 10°, por favor. – respondeu Carlos.
Perguntar o número que você deseja é ir é se não, um ato de generosidade, absolutamente inútil. No caso de não se ter mãos ou de se ter as mãos ocupadas faz sentido. Caso contrário, não.
- O tempo está esfriando... – um jovem que devia estar nos seus 22 anos, comentou.
Falar sobre o tempo é se não, uma demonstração de simpatia, uma absoluta demonstração de carência.
- É verdade, está mais frio que no inverno passado e olha que estamos apenas no começo. – respondeu a ruiva, com olhar de pesar.
Responder aos comentários de tempo com mais de 10 palavras é se não, uma demonstração de extrema simpatia, um distúrbio mental.
- É verdade. – respondeu Carlos, que pensava no projeto que estava realizando. As janelas ficariam melhores na direita?
Encerrar o assunto do tempo é se não um ato de antipatia, uma demonstração de bom senso.
- Lá no Rio era diferente, verão o ano todo! – O carioca se sentia deslumbrado com o seu comentário. Adorava falar do Rio sempre que podia.
Voltar no assunto do tempo, aí, já é falta de respeito.
- Ih no meu tempo, o tempo também era outro – ouvia-se um velhinho que até então não havia sido percebido por ninguém.
Silêncio no elevador. Ninguém estava interessado nas histórias do velhinho.
Barulho estranho.
Silêncio de novo.
O elevador estava aparentemente parado.
Silêncio de novo.
- Brother, acho que o elevador parou! – enquanto mastigava um chiclete, o carioca ria-se da situação e apoiava confortavelmente o braço em torno da cabeça. Estava curiosamente, no frio, de bermuda e camiseta justa.
E agora? Todos estavam preparados psicologicamente para alguns minutos dentro daquele ambiente. Comentários relacionados com o tempo, sobre o passado, sobre o Rio. Mas era só. Adeus, e até a próxima viagem. Agora o elevador estava parado.
- No meu tempo não era assim. Os elevadores funcionavam perfeitamente – ouvia-se o velhinho que até então, estava, novamente, despercebido.
Silêncio.
A ruiva refletia se no tempo do velhinho existiam elevadores. Desconfiava, contrariada, que não.
- Bom, vamos ser práticos. Basta apertar o botão da emergência – concluiu Carlos que se sentia completamente deslocado. “Vamos... ser... práticos. Basta... apertar...o...botão...da..emergência”. Nove palavras, contava nos dedos. Nove palavras no elevador, isso devia ser um recorde.
-Certo. Qual desses? ... Hm. O vermelho? – “Não deve ser muito difícil”, pensava a ruiva, enquanto admirava suas botas vermelhas de couro legítimo.
- No meu tempo era mais fácil, só tinha um botão – ouvia-se o velhinho ao longe.
O carioca lavara um susto. Havia um velhinho no elevador? Nossa!
Carlos já estava irritado. Empurrava à ruiva e apertava todos os botões – Pronto! Agora é só esperar que o resgate deve estar chegando.
Silêncio.
O carioca admirava os músculos no espelho. Nada mal. E ainda por cima estava moreno.
Silêncio.
Um minuto.
- Acho que não está funcionando. – concluiu sabiamente a ruiva – Estamos presos! E agora? Por quanto tempo? Meu Deus! O que será de nós? – Suspirou. – Calma, nada de pânico pessoal. Nada de pânico.
- Te-te-te-mos... um pro-pro-ble-ma! – o jovem de 22 anos estava encostado de costas para todos no canto do elevador.
A cena seria assustadora, se não fosse ridícula.
- Ah brother, não vai dizer que está com dor de barriga? – O carioca apertou a barriga e fez cara de dor. Depois morreu de rir da própria piada. De repente ficou sério, como se concluísse que não se tratava de uma piada. – Está?
Silêncio.
A ruiva se afastou lentamente do jovem, o máximo que pode.
- No meu tempo, os remédios para dor de barriga eram caseiros. Muito mais eficientes... – Começou o velhinho.
Carlos se perguntava baixinho: “O que eu fiz para merecer isso, Meu Deus, o quê?”.
Até que o jovem continuou.. - Nã-ã-ão... É.. pi-or!
- Ah nãoooooo! Você... JÁ fez? – O carioca parecia extremamente transtornado.
A ruiva encolhia-se junto a porta do elevador.
- Eu... te-tenho claus-tro-fo-fo-fo-bia. Acho que es-s-stou passan-do-do mal – O jovem estava branco, pálido, fantasmagórico. Os olhos arregalados. A situação não estava nada boa!
A ruiva que até então estava afastada, aproximou-se em sinal de solidariedade – Ei, calma! Já já sairemos daqui, não se preocupe – Ela bem que tentava, mas parecia não acreditar no que dizia.
O carioca suspirou aliviado.
- No meu tempo, não existiam essas doenças. Isso aí é coisa da modernidade. Inventam doenças pra inventar remédios... – O velhinho parou como se fosse desmaiar. Revirou os olhos e todos entenderam se tratar de um “estado momentâneo de raiva”.
De repente, ouve-se uma voz até então desconhecida. Uma voz fininha. Talvez de criança:
- Certo, vamos manter a situação sob controle. Apertamos o botão de emergência e até agora nada. Já passam 5 minutos e 12 segundos. Agora, 13. Bom, que seja. Está na cara que não se trata de um imprevisto. Existe algo que nos relaciona. Trata-se de um teste e precisamos cumprir a missão que nos foi enviada antes que um de nós sofra as consequências. Certo, vamos ver, qual é a sua profissão? – Aponta para a ruiva.
- Sou consultora de moda – Ela parecia interessada e disposta a ajudar.
- Eu... so-o-u empre-sá-á-rio!
A ruiva de repente acolheu com maior e “estranho” carinho o claustrofóbico. Olhava-o com demasiado carinho e quase podia se ler em seus lábios: “Rico?”.
-Você! – A criança apontava agora para o carioca.
- Ah brother, eu faço de tudo um pouco, tá ligado? Agora sou personal trainer. Dá pra ver né?- O sotaque estava mais carregado que nunca. O carioca não parecia ligar muito para a hipótese da criança, mas a perspectiva de responder a pergunta o deixava radiante.
- No meu tempo mocinho, as coisas eram diferentes. Eu fui advogado, empresário, engenheiro, eletricista, professor...
-Hm, vejamos. Falta... você! – Carlos foi apontado!
-ARQUITETO – murmurou. “Mais um pouquinho... e você,... realmente estará correndo, de fato, risco de vida”, pensou.
O jovem claustrofóbico estava assustado e estranhamente mais branco que antes. Os olhos se reviravam com rapidez. Não dava para prever por quanto tempo ele aguentaria. A ruiva parecia feliz com a perspectiva de levá-lo para a casa.
- Escute – a criança dizia enquanto arrumava os óculos - Acho que não se trata da profissão. Quem sabe, algo que fizemos no passado... Hum... Ei, silêncio, eu preciso pensar! (o claustrofóbico respirava alto agora) Ei, o senhor, o que fez de errado no passado?
- Ah meu jovem, no meu tempo não se faziam coisas erradas. As pessoas eram honestas, batalhadoras,...
- Eu roubei um batom, uma vez. – A ruiva pareceu preocupada por alguns instantes e então olhou diretamente para o claustrofóbico – Eu juro, prometi que nunca o faria de novo!
- Não, não, esqueçam. Precisamos de uma nova linha de raciocino. Dá para parar? (o claustrofóbico agora respirava ofegante, alto, e num ritmo acelerado). Que dia é hoje? Talvez, a pista esteja na data... Ou talvez,...
Barulho estranho! O corpo do claustrofóbico tombava no chão. Via-se um leve sorriso no rosto da ruiva.
-AGORA CHEGA!!!!!CHEGA! CHEGA! UM HOMEM ESTÁ DESMAIADO E EU ESTOU ATRASADO PARA O TRABALHO! NÓS....... NÃO......ESTAMOS..........NOS JOGOS MORTAIS! (Carlos sacudia a criança pelos braços) NÃO ME INTERESSA O QUE ACONTECEU NO SEU TEMPO (Apontava para o velhinho que parecia satisfeito em confirmar a hipótese de que as pessoas não eram mais como antigamente). EU NÃO LIGO PARA OS SEUS MÚSCULOS E PARE DE EXIBÍ-LOS NO ESPELHO (O carioca ficou feliz por ter sido mencionado) E VOCÊ? VOCÊ? (Carlos apontava para a ruiva). Bom.. você, pare também! CHEGA, VOU ARROMBAR ESSA PORTA!
Todos abriram espaço para Carlos que avançou impiedosamente contra a porta. De repente, antes que a colisão fosse concluída, a porta foi abrindo devagarzinho... e ...

Assim, todos estavam, finalmente, livres!

Carlos teve ferimentos leves e já passa bem. Mesmo com a perna machucada, subiu de escadas.
Carlos mora no 10° andar.

Os cinco sentidos do amor...

Quem ama tem o olfato aguçado.

É cheiro de mel, de doce, de hortelã, de framboesa... Quem ama sabe. Quem ama gosta e sente até cheiro de cigarro. Quem ama sente cheiro de banho lavado. E inspira fundo o cheirinho da chuva. Não esquece o cheiro da grama molhada do verão de 85. E nem do cheirinho da roupa que a amada usou no primeiro encontro.
Quem ama sente o cheirinho do travesseiro da pessoa amada. E se deitar no lençol sente lá no fundinho, cheiro de felicidade. Quem ama sente o cheiro da pele. O cheiro que ninguém sente.
Quem ama sente o cheiro do lar. Do esforço. Da recompensa. Sente o cheirinho que vem do elevador e aquele que fica bem debaixo da orelha. Sente o cheirinho do pão da padaria e de manteiga derretida. Sente o cheirinho da comida feita pelo amado. Mesmo que seja cheirinho de miojo...

Quem ama tem tato aguçado.

Mãos que deslizam com rapidez e não perdem nenhum detalhe. Quem ama sabe a textura da pele. Tem toque suave, delicado, deslizado. Quem ama sabe fazer carinho. E sabe dar beijinho. Sabe aonde dar beijinho.
Quem ama sabe a textura da língua. De cada ponto da língua. Sabe a textura do cangote. Do lábio. Da testa.
Quem ama conhece a textura do pé. Sabe exatamente onde massageá-lo. Quem ama sabe exatamente onde deve tocar e onde ser tocado.
Quem ama conhece a textura do lábio. As rachaduras. A parte macia. E não se cansa de aprender sempre mais sobre essa textura.
Quem ama gosta de cafuné. Gosta de fazer massagem, de dormir abraçadinho, de se aconchegar no ninho.
Quem ama sabe a textura do abraço. O gosto do braço. E de tantos outros aços...
Quem ama sabe a textura. E sabe bem. Sabe melhor que ninguém...

Quem ama tem audição apurada.

Reconhece de longe, a voz do amado. Sabe direitinho quando é voz de agrado.
Quem ama reconhece. Sabe quando o Ai é de alegria e quando é de tristeza. Sabe quando a voz é de preocupação e quando é melhor não responder.
Quem ama sabe. Não precisa dizer nada. Não precisa nem começar. Porque quem ama sabe o significado de suspiros. De cochichos...
Quem ama sabe quando a voz é de vontade de chorar. E quem ama sabe num “Bom Dia” se está tudo bem, ou não.
Quem ama escuta até a distância, mesmo que seja em outro continente. E se faz alguma pergunta? Quem ama escuta até a resposta.
Quem ama adora sussurros. E mesmo que sejam sussurros bem sussurrados, quem ama sabe os seus significados.
Quem ama escuta. E escuta bem. Escuta melhor que ninguém...

Ah, quem ama tem, tem bom paladar.

Quem ama conhece o gosto do amor. E só sabe o gosto do amor, quem ama de verdade.
Quem ama sabe e sabe bem todos os gostos do amor. Sabe o gosto do mel, do arco-íris, da chuva. Sabe direitinho o gosto de grama molhada. O gosto de abraço e de beijo bem dado.
Quem ama sabe o gosto da amada. Sabe o gosto do doce preferido e o gosto da felicidade.
Sim, quem ama sabe, e sabe bem, o gosto da felicidade. E pra saber o gosto da felicidade, tem de se ter um gosto bem apurado.
Quem ama sabe o gosto da saudade. O gosto do medo de perder. O gosto da reciprocidade.
Quem ama sabe o maior de todos os gostos. O gosto da vida. E sabe bem, sabe melhor que ninguém...

E agora que me perdoem. Mas quem ama enxerga sim, e enxerga muito bem.

Aqueles que dizem que o amor é cego é porque estão cegos pela falta de amor.
Quem ama sim tem boa visão. Aliás, quem ama não vê. Enxerga. Atravessa. Invade.
Quem ama tem visão raio X. Quem ama tem visão superdotada. Só quem ama enxerga de verdade.
Enxerga através das aparências. Enxerga a fundo. E lá no fundo, enxerga o coração.
Só quem ama enxerga a essência. Enxerga a pessoa. Enxerga os defeitos e as qualidades.
Só quem ama consegue enxergar a verdadeira beleza. A mais pura das belezas. A beleza secreta de cada um.
E só quem ama sabe admirar essa beleza. Admirar como ela merece, como ela é. Quem ama não se cansa de admirar.
Só quem ama enxerga as verdades. Enxerga através dos olhos. Dentro dos olhos. Enxerga a alma e tudo de melhor que ela tem a oferecer.
Quem ama enxerga muito bem. Enxerga como ninguém...