segunda-feira, 10 de maio de 2010

Guerra muda

Perdia a noção do tempo. Quantas horas haviam se passado? Estaria claro ou escuro lá fora? Será que os passarinhos cantavam? Será que existiam passarinhos por ali? Talvez, carros? Quem sabe nada disso. Talvez realmente estivesse sozinho por uma longa extensão sem precedentes. Certamente assim, seria mais seguro. Seguro, para eles. Para ele não. Decididamente não. Seria terça-feira? Quarta-feira de cinzas? Meu Deus! Quantas horas já havia se passado? Deus? Deus! Por onde andavas?...
Sentia o cheiro da desesperança. O bafo quente da morte. O hálito podre do vazio. Forçou um sorriso. Um sorriso que ninguém veria. Um sorriso que se perderia no silêncio inquieto. No silêncio que quase o deixava surdo. Um sorriso que não amadureceu, nem mesmno nasceu. Se perdeu no tempo, beirou pelo vão da boca e estacionou. Os músculos enrigecidos tinham desaprendido a sorrir. Quem sabe, nem mesmo tinham interesse em aprender. Quem sabe protestavam em obediente silêncio.
Por que, ele? Por quê? Por quê? Por quê tanta maldade? Dinheiro? O que queriam? Deus! Quanta hipocrisia. Podiam lhe roubar tudo. Tudo! Mas não, o direito de pensar, não. Pense! Esforce-se! Mantenha-se vivo!
O ar entrava pelo nariz. O tórax contraia. Os pulmões inchavam. Trocar gasosas ocorriam nos álveolos pulmonares. Os brônquios abriam. Pausa. O tórax relaxava. Expirava. Pausa. Isso o mantinha. Era um fato, não havia contestação, estava vivo. Mortalmente vivo. Porém, inegavelmente vivo. Por quanto tempo? Quantas horas? Quantos segundos? O ar entrava. Ele não sentia mais. Automático. Pausa. A alma esvanecendo. O tórax relaxava. Estaria realmente vivo? Já não tinha mais tanta certeza. Que gosto teria a morte? Pausa. Que gosto teria a vida?
A VIDA! Deus! A vida vinha como em flashes nas imagens. Que belas fotografias reais! E elas sorriam com ternura, rodopiavam e dançavam pelo ar. Esquentavam seu rosto e quando tocavam-lhe o coração ele sentia. Sentia, intensamente. Sentia o amor... E por instantes, quase sentia a esquecida vida. E então os músculos relaxavam e ele quase sorria. Contudo, na mesma velocidade enrigeciam. E ele enfraquecia, se perdia no escuro. Sentia medo. Sentia a solidão. Quase podia apalpá-la, faltava espaço para os dois. E a solidão vinha mais rápido que as imagens e estacionava. Ria-se, deboxava, sentia-se em casa, acomodada. Não tinha intenção de partir. Não era visita.
E ele ficava ali. Imóvel, um mero expectador... Enquanto uma guerra muda. Barulhenta! Travava-se bem na sua frente. As imagens contra a solidão. O amor contra o medo. A vida, contra a morte. E de repente... O rosto de Joana foi surgindo... Imergindo do vazio. Brilhava no escuro! Só havia espaço para ela.

Adeus, visitas!

E então ele sorriu ao perceber que sem perceber sorria...

domingo, 9 de maio de 2010

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Por que diabos que filas existem? Quer dizer... Como que os poderosos cientistas que conseguem produzir computadores menores que o meu dedo com capacidade maior que o meu cérebro, simplesmente não conseguem solucionar o problema das filas? Ora essa!

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Não deve ser tão difícil assim fazer um sistema pela internet. Seria perfeito. Você entra no site. Completa algumas informações. Coloca o CEP do lugar em que se encontra. O veículo que vai usar. Aí o sistema calcula o tempo que você precisa para sair de casa e chegar na hora em que o último candidado acabou de ser atendido. O sistema poderia até mandar uma mensagem para o seu celular: Olá fulano. Você é o próximo da fila. Tem 10 minutos para chegar. Vá pela Rua tal que está menos engarrafa. Obrigada, estamos aguardando você. Tenha um bom dia!

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Não seria nada mal. E se um dia essa ideia pega em? Vou querer a autoria. Pena que ninguém tem acesso aos meus pensamentos.
Eu disse pena? Ainda bem. Céus, nem sei o que poderia acontecer. Que vergonha!!!
Mas que diabos é aquilo? Aquele cara não tá colocando o dedo no nariz, tá?!? Caramba!!! Ele não parou no sinal vermelho. É... Porque no sinal vermelho eu ATÉ posso tentar entender. Quer dizer, você encara o carro do lado por alguns segundos e Adeus!, nunca mais o verá. Mas numa fila? Céus! Qual é a dele? Não, não, não... Eu não estou acreditando. Ele tá usando a chave do carro pra tirar a cera do ouvido? Geenteeee! Alguém avisa pra ele que esse ambiente é público. PÚ-BLI-CO.

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E ele não cansou ainda. Ai, preciso parar de olhar. Tô ficando enjoada. Mas também! Com essas paredes laranjas, quem não ficaria? Sabe o que eu acho? Pensando bem essa parede ficaria bem melhor se fosse verde. Esse laranja... não... não ficou legal. Tá um tom muito vibrante. Acho que eu li em uma revista esses dias, que revista que foi? Dizia que a cor laranja deixa as pessoas estressadas. É, definitivamente, a cor laranja não faz bem. Mas que falta de projeto. Quem foi o arquiteto desse lugar?

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Hm, mas será que é o arquiteto que escolhe a cor das paredes? Acho que tem um nome específico pra isso. D... De... De...? Começava com D. Design. Design de Interiores! Isso! Acho que é isso. Nossa, mas quem foi o designer desse lugar?

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Se bem que... Não tenho certeza se era laranja. Vermelho? Será? Isso, isso, isso. Era vermelho. É o vermelho que deixa as pessoas irritadas. Ai Meu Deus,... ou seria o preto? Preto, preto, preto? É preto. Acho que é o preto. Vermelho deve ser a cor da paixão. Mas então... E o laranja, qual o significado da cor laranja.... Laranja... Laranja...

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Hmmm... Um suquinho de laranja agora cairia bem! Bem geladinho!!! Esse calor tá me matando! Eu sabia. Mas eu SA-BI-A. Eu tinha certeza. A Maria tava certa. Ela me avisou, olhaaaa... tá quente!! Mas não, eu não quis dar ouvidos! Blusa comprida. Com o que eu estava na cabeça? Agora estou morrendo de calor!!

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E o pior de tudo vai ser fazer a reforma lá de casa com esse calor. Meu Deus, não posso esquecer de ligar pro Seu João. Ele ficou de levar as coisas amanhã. Ai Meu Deus, tomara que ele não esteja abusando do meu dinheiro! Aqueles tijolos estavam tão caros. Mas tão caros!!!
Genteeeeeee, para TU-DO! Que blusa mais LINDA. E essa calça? Aonde que ela comprou?

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Mas pra que tão apertada? Devia ter comprado um número maior. Essa mania que as pessoas tem se enfiarem em números menores. Qual é o problema de comprar um número maior? É... Se bem que, se me pedissem pra vestir 40, eu não vestia. Ah, mas eu não vestia!! Adoro aquelas lojas: “Olha o formato dela é grande. Acho que devias pegar o menor desse”. Mas olha... Essa blusa ficaria melhor com uma calça larga. Talvez. Mas essas sandálias estão espetaculares, tenho que de admitir. Aonde será que ela comprou em!?

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Meio dia e meio? Gente! Quase quatro horas numa fila. Dá pra acreditar? QUATRO HORAS. É por isso que esses sapatos estão me encomodando. E até pegar o carro, trocar de roupa, Ih... Vou chegar atrasada no trabalho desse jeito. Será que falta muito?? Devia ter trazido o meu livro. Aaaaaaaah, devia. Não posso esquecer de ligar pra Alexandra hoje! Ela disse que ia chegar de viagem, bom pra ela, deve ter aproveitado pra caramba. Acho que o Carlos é um cara legal pra ela. Depois do Jorge também, coitada. A Alexandra não merecia aquilo.

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Meu Deus do Céu. O que que é aquilo? Não não não, o que que aqueles dois tão fazendo. Gente! Isso é quase um sexo ao ar livre. Quantos anos será que eles tem? Pela carinha dela deve ter uns 22. É 22. E ele, 23. Mais que absurdo!! E depois colocam nas novelas: Proibido para menores de 12 anos. Pra quê? Pra quê? É só sair de casa, pra ver. Mas que absurdo.
O que... que eles tão fazendo?

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O que que é isso?... An? Que mãozinha foi aquela? Gente, falta vergonha nesse mundo! Gente.......... O que que é isso! Eles.. tão...?

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Ai, finalmente. Pelo amor de Deus se tocaram. Estão indo embora! E olha que tem crianças no lugar. Se eu fosse a mãe daquela menina ali, eu ía reclamar. Aaaaaah eu ía.

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Gente... Que demora! Preciso fazer essa cutícula. E essa cor de unha não tá legal, eu devia ter pintando daquele azul turquesa. Ai qual era mesmo o nome? Azulejo? Azulejo. Isso é nome de esmalte. Azulejo? Que nome brochante. Azulejo. Hahaha Que estranha essa palavra. A-ZUL-LE-JO. Azulejo, parece que é azul. Mas tem azulejo de todas as cores. Que engraçado!

-6703

-Próximo!

6703? 6703!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6703!!!!!!!
Minha Santa Teresinha. 6703. Ai meu Deus do Céu.
Isso não tá acontecendo.
Minha bolsa, minha bolsa. Calma, deve estar aqui dentro. Caramba, o que que é isso? Tenho que aprender a colocar menos coisas na bolsa. É impossível se achar aqui.
Caaaalma. Calma!! Deve estar no bolso.
Essa calça não tem bolso?
No chão, no chão, no chão. Calma. Dá pra dar licença. Ai meu Deus do Céu, é a minha vez. Com licença por favor. Cadê, cadê, cadê? Eu sabia. Se fosse pelo sistema de internet isso não estaria acontecendo. Ai meu Deus do céu. Aonde que eu coloquei o papel. Deve tá por aqui.... Aonde??? São Longuinho, são Longuinho. Me ajuda!!!
Tá, pensa, pensa.
É óbvio. Vou sem a senha. É... Falo que perdi o bilhete e pronto! Isso! Como não pensei nisso antes?

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- Calma, sou eu. O 6703!

-Senhora, este senhor já apresentou a senha.

-Mas essa senha era minha. Eu acabei de perder. Eu juro!

-Essa senha é minha, moça! (sorrico sarcástico)

-Lamento Senhora.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh Maldito!!!!! E ainda por cima tira meleca.